“Se você me perguntar se estou feliz com a vida que tenho, lhe responderei com sinceridade que estou feliz por estar vivo….feliz por estar recebendo a condição de acordar todo dia sem o medo de uma bomba cair no meu teto.”

O sírio Abdulbaset Jarour chegou ao Brasil em fevereiro de 2014, quando se instalou em São Paulo (SP), onde mora desde então. Hoje, com 32 anos, relembra sua chegada ao país motivada por uma dor que ele e seu povo carregam até os tempos atuais. “Vim para salvar minha vida por causa da guerra que se instaurou no meu país em 2011 e que persiste ainda hoje. Como mais de 10 milhões de sírios, fui obrigado a fugir do meu país e me tornar um refugiado para sobreviver à maldade de homens que perseguem o poder a qualquer preço e não reconhecem a vida de todos como um direito humano”, relembra.

Hoje, Abdul trabalha como autônomo, vive em um apartamento modesto e, graças a uma bolsa integral, iniciou o curso de Direito, no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Mas o jovem contextualiza: trabalho e renda, para um imigrante sírio no Brasil, sempre é um grande desafio.“Preciso matar 10 leões por dia para garantir uma condição mínima de subsistência. Sou empreendedor, artista, consultor e produtor, engajado principalmente em projetos de cunho socioculturais. Também atuo como conferencista, ministrando palestras em escolas públicas, particulares, faculdades e universidades, ONGs e empresas, com abordagem de temas relacionados à cultura árabe, ao refúgio e à migração, às guerras no Mundo Árabe, com destaque para as causas da guerra na Síria”, conta. 

Para ele, o capitalismo selvagem que resulta em um alto custo de vida é o que engole não somente povos migrantes mas a todos, a cada dia. Assim, relata que, como a maioria da população brasileira, não são raras as vezes em que se encontra no vermelho. “Inclusive com dificuldade para garantir a manutenção básica mensal, o que me leva, muitas vezes, a recorrer ao apoio de pessoas que hoje se tornaram minha família aqui no Brasil”, fala com carinho.

Mas além de afeto, o olhar de Adbbul sobre os brasileiros também é crítico e realista: “O Brasil abre a porta, mas fecha a janela”, comenta. Daí sua inquietação diante dos obstáculos impostos a pessoas em situação de tamanha vulnerabilidade. “Acredito que o acolhimento deve vir associado a uma integração real, com olhar humanizado para a realidade da migração. São muitas e imensas as dificuldades postas na vida dos refugiados e migrantes. É urgente desburocratizar o sistema para garantir a regularização documental dessa população. Sem isso, não tem como um pai de família conseguir trabalho formal, alugar uma casa e ser incluído, juntamente com seus dependentes, nos programas de assistência social.”

Ele explica que também é urgente reconhecer o potencial profissional de tanta gente qualificada que chega para agregar. É urgente a revalidação de diplomas. Precisamos que o país reconheça os refugiados e migrantes como cidadãos, que garanta a vida digna dessa comunidade, como pessoas de direitos e deveres sociais.

Nesse sentido, a experiência de Abdulbaset do flagelo da guerra e da busca por direitos contra barreiras e preconceitos, assemelha-se à dos angolanos que vieram para o Brasil, no início por conta de conflitos e, agora, por um espaço digno na sociedade brasileira. O próximo artigo, fala desses migrantes e sua vivência em Londrina, PR.

Confira o depoimento de Abdulbasset sobre sua jornada da Síria ao Brasil:

“O Brasil foi um divisor de águas na minha vida. Desde que tive de fugir da Síria para sobreviver, me tornei refugiado e tive minha família espalhada pelo mundo. Precisei encontrar força e coragem para seguir de cabeça erguida, mesmo carregando um peso do tamanho do mundo sob meus ombros e, no peito, uma dor profunda. O que venho fazendo desde então é dar meu testemunho do quanto a guerra dilacera a vida das pessoas, destrói sonhos e famílias inocentes. Venho buscando romper fronteiras, transformando o sofrimento em superação e fazendo da minha voz a voz de todos aqueles não conseguiram chegar até aqui. No Brasil, me tornei ativista em defesa dos direitos humanos e da causa migratória. Hoje, sou uma liderança reconhecida em todo território e além. Venho construindo espaços de reconhecimento do valor humano, da interculturalidade e, principalmente, demonstrando com a minha prática o quanto é importante ocuparmos espaços e exercermos protagonismo com legitimidade na defesa de nossos direitos. Luto para que sejamos consultados e convidados a debater e construir conjuntamente com a sociedade brasileira os caminhos que impactam diretamente nas nossas vidas.  

Atualmente, meu nome figura como pré-candidato a deputado estadual por São Paulo e sou o primeiro sírio a conquistar esta posição. Isso me deixa otimista de que conquistaremos mais representatividade na defesa do direito de migrar e, consequentemente, avanços na garantia de direitos desta população tão invisibilizada. Além disso, estou dedicado à construção de um livro autobiográfico intitulado “Filho de Aleppo”.

Se você me perguntar se estou feliz com a vida que tenho, lhe responderei com sinceridade que estou feliz por estar vivo. Estou feliz por estar recebendo a condição de acordar todo dia sem o medo de uma bomba cair no meu teto. Estou feliz por olhar para trás e ver que consegui fugir do inferno e chegar aqui. Apesar de toda dor, de todo sofrimento e da irreparável ausência das pessoas que eu amo, sinto que não estou só e que tenho muito a contribuir para o desenvolvimento desse país, a partir da aceitação dos refugiados e migrantes como irmãos, pessoas que chegam para fortalecer a identidade humana e aumentar a riqueza dessa nação, sob tantos aspectos. Me sinto grato por meu trabalho ter credibilidade em todo país. Grato pelos amigos e colegas que me apoiam e caminham comigo. Aqui no Brasil eu renasci para uma realidade que me exige uma postura pública, de exposição da minha vida, compartilhando minha vivência em nome de um propósito de amor e fraternidade, a serviço do bem na construção da paz entre os povos do mundo. Se não fosse para isso, dificilmente eu teria força para vencer tantos obstáculos e realizar o que venho realizando.”

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